Hebiatria: Fundamentos, Importância e Abordagens Clínicas

A Hebiatria é a subespecialidade da Pediatria que foca no cuidado integral e humanizado de adolescentes — considerando não apenas sua saúde física, mas também os aspectos emocionais e sociais dessa fase de intensas transformações.

Este conteúdo visa facilitar a compreensão do tema e apoiar profissionais da saúde no atendimento eficaz e acolhedor a pacientes nessa faixa etária.


O que é Hebiatria?

A Hebiatria abrange o acompanhamento de indivíduos entre 10 e 20 anos, conforme critério da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa subárea valoriza a autonomia do adolescente no processo de cuidado, envolvendo ainda a família de forma complementar.

Baseada no modelo biopsicossocial, a Hebiatria reconhece as mudanças marcantes da adolescência — desde a puberdade até desafios psicológicos e sociais — e busca promover uma abordagem que respeite essa complexidade.


Por que a Hebiatria é tão importante?

A adolescência é um período repleto de mudanças — físicas, emocionais, cognitivas e sociais. A Hebiatria oferece uma abordagem especializada que:

  • Fomenta o protagonismo dos adolescentes em seu próprio cuidado.

  • Cria um ambiente seguro para abordar temas delicados, como saúde mental, sexualidade e vulnerabilidades (violência, distúrbios alimentares etc.).

  • Identifica precocemente condições como transtornos de humor, problemas de crescimento, distúrbios metabólicos e dificuldades escolares ou familiares.

  • Favorece a integração de diferentes profissionais (psicólogos, assistentes sociais, educadores) para um atendimento mais eficaz.


Anamnese com o Adolescente: Estrutura Recomendada

Uma abordagem estruturada deve incluir três momentos distintos para melhor compreender a realidade do paciente:

  1. Entrevista com o adolescente e família
    Coleta dados sobre desenvolvimento, vacinação, hábitos, ambiente familiar e comportamentos observados. Avalia ainda fatores escolares, sociais e de lazer.

  2. Entrevista individual com o adolescente
    Espaço confidencial onde o paciente pode compartilhar de forma livre suas inquietações. São abordados temas como autoestima, relacionamentos, vida digital, sexualidade, vulnerabilidades e saúde mental.

  3. Conversa com os responsáveis (se necessário)
    Foco em situações que exigem orientação familiar ou encaminhamentos clínicos. É fundamental esclarecer ao adolescente sobre os direitos ao sigilo e suas exceções em casos de riscos graves.

Quebra do Sigilo Manutenção do Sigilo
Presença de qualquer tipo de violência: emocional, maus-tratos, sexual, bullying, interpessoal no namoro, etc. Ficar, namoro; iniciação sexual (exceto em casos de violência por sedução ou imposição explícita).
Uso escalonado (cada vez maior) de álcool e outras drogas; sinais de dependência química. Experimentação de psicoativos (sem sinais de dependência).
Autoagressão, ideações suicidas ou de fuga de casa; tendência homicida. Orientação sexual, conflitos com identidade de gênero.
Gravidez; aborto. Prescrição de contraceptivos (para adolescentes com maturidade para adesão).
Sorologia positiva de HIV (comunicar aos familiares e à parceria sexual). IST (desde que afastada a violência sexual e com maturidade para adesão ao tratamento).
Diagnóstico de doenças graves, quadros depressivos e outros transtornos do campo mental.

Aplicação da Abordagem HEEADSSS

O método HEEADSSS — ampliação do tradicional HEADSS — oferece um roteiro para avaliar a história psicossocial do adolescente, englobando:

  • H: Lar (Home)

  • E: Educação e Emprego (Education/Employment)

  • E: Distúrbios Alimentares (Eating Disorders)

  • A: Atividades (Activities)

  • D: Uso de Drogas (Drugs)

  • S: Sexualidade (Sexuality)

  • S: Risco de Suicídio e Depressão (Suicide/Depression)

  • S: Segurança (Safety — violência, acidentes)

Sigla e Significado Indagações Sugeridas
H (Home) – Casa Onde você mora?Quem reside na casa com você?O ambiente é calmo ou “agitado”?Quem briga mais na sua casa?
E (Education/Employment) – Educação/Emprego Sabe ler e escrever?Atualmente estuda? Em que ano?Você trabalha? Em quê? Qual o horário?Possui carteira assinada?O trabalho interfere nos estudos?
E (Eating Disorders) – Distúrbios alimentares Já fez dieta?Gosta de seu corpo?Está contente com seu peso e altura?
A (Activities) – Atividades O que você faz além da escola?Pratica esporte? Qual? Quantas vezes por semana?Utiliza celular?Você joga videogame?Quanto tempo passa entre celular, games, TV, computador, telinhas em geral?
D (Drugs) – Drogas lícitas/ilícitas Você bebe? Com que frequência?Quando foi seu último porre?Onde costuma beber: em casa/bar/festas?Já experimentou “kit” (vodka + energético)?Já ficou de porre? Quando?Fuma tabaco? Início, quantidade de cigarros/maços?Usou/usa outra droga? Qual, início, frequência, intoxicações/overdose?
S (Sexuality) – Sexualidade Já ficou?Está apaixonado/a?Divide sua intimidade corporal com alguém?Já teve relações sexuais? Com pessoas de sexo oposto, mesmo sexo, ou tanto faz?
S (Security) – Segurança Já sofreu algum tipo de violência? Onde? Por quem?Assalto? Bullying?Já causou violência em alguém?Quais as consequências?
S (Suicide) – Suicídio O que você faz quando se sente triste: fica quieto? Chora?Já pensou em desaparecer/se machucar?Já tentou?

Esse método facilita a detecção de áreas de risco e orienta intervenções preventivas, podendo ser realizado em cerca de 20 minutos de forma adaptada à rotina do atendimento.


Normas, Regulamentações e Ética no Atendimento ao Adolescente

No Brasil, a cidadania e os direitos dos adolescentes são regidos por documentos como:

  • ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) — considera adolescente quem tem entre 12 e 18 anos, com possibilidade de extensão até os 21, em situações específicas.

  • Portaria MS nº 980/1989 — adota a faixa etária de 10 a 19 anos.

  • SUS (via Resolução MS nº 413/2005) — amplia o atendimento pediátrico até 19 anos e 11 meses.

  • ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — insere códigos específicos para atendimentos a adolescentes.

Ética e segurança também são fundamentais:

  • A partir dos 16 anos, o adolescente pode escolher se será atendido por médico não pediatra.

  • Serviços de emergência e pronto-socorro devem garantir atendimento especializado para adolescentes.


Referências

  • SBDPConsulta do adolescente: abordagem clínica, orientações éticas e legais, Departamento de Adolescência (2019).

  • EBSERHConheça a Hebiatria, subespecialidade da Pediatria voltada para adolescentes (2022).

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