Esteatorreia: causas, manifestações clínicas e estratégias de tratamento

A esteatorreia é um distúrbio digestivo marcado pela eliminação anormal de gordura nas fezes, que passam a apresentar aspecto oleoso, volumoso e odor fétido. Essa alteração geralmente está relacionada a doenças que afetam a digestão ou a absorção de lipídios, como pancreatite crônica, doença celíaca e doença de Crohn.

O reconhecimento precoce dos sintomas é fundamental, pois a esteatorreia pode indicar disfunções gastrointestinais significativas e levar a deficiências nutricionais. O diagnóstico envolve avaliação clínica, exames de fezes e testes complementares. Já o tratamento combina intervenções medicamentosas, ajustes dietéticos e, em alguns casos, suplementação de vitaminas lipossolúveis.

 


Quadro clínico da esteatorreia e complicações

A esteatorreia manifesta-se como alteração visível nas fezes, refletindo falhas na digestão ou absorção de gorduras. Apesar de ser um sintoma, e não uma doença em si, tem impacto direto na qualidade de vida e pode evoluir com complicações importantes se não for investigada e tratada adequadamente.


Sintomas mais frequentes

As fezes com excesso de gordura apresentam características próprias:

  • aspecto oleoso e brilhante;

  • coloração amarelada;

  • grande volume;

  • odor desagradável;

  • presença de bolhas de gordura;

  • tendência a flutuar no vaso sanitário pela densidade reduzida.


Sintomas sistêmicos associados

Além das alterações fecais, pacientes podem apresentar:

  • Diarreia crônica: evacuações frequentes, aquosas e acompanhadas de dor abdominal, especialmente após refeições gordurosas;

  • Náuseas e inapetência: que reduzem a ingestão calórica e agravam o quadro;

  • Perda de peso involuntária: resultado da dificuldade de absorção de lipídios;

  • Deficiências nutricionais: pela má absorção de vitaminas A, D, E e K, causando pele e cabelos ressecados, fragilidade óssea e distúrbios de coagulação.


Complicações

Quando negligenciada, a esteatorreia pode evoluir para quadros graves, como:

  • Deficiências crônicas de vitaminas lipossolúveis: levando a osteoporose, visão prejudicada e tendência a hematomas;

  • Atraso de crescimento em crianças: por déficit de absorção calórico-proteica e vitamínica;

  • Imunossupressão: pela carência nutricional prolongada;

  • Alterações emocionais: como ansiedade e depressão, relacionadas à fadiga, perda de peso e dor abdominal recorrente.


Causas da esteatorreia e fatores associados

A esteatorreia surge de alterações que dificultam a digestão ou absorção de gorduras no trato gastrointestinal. Diversas condições podem estar envolvidas:

Deficiência de ácidos biliares

A bile é essencial para emulsificar lipídios. Sua ausência ou redução prejudica a absorção intestinal de gorduras. Entre as causas estão:

  • Colangite biliar primária – doença autoimune que compromete ductos biliares;

  • Obstrução das vias biliares – por cálculos, tumores ou estenoses;

  • Cirurgias hepáticas ou biliares – que alteram o fluxo de bile.


Insuficiência pancreática

O pâncreas secreta enzimas digestivas fundamentais, como a lipase. Sua deficiência compromete a quebra de triglicerídeos. Principais causas:

  • Pancreatite crônica – destruição progressiva do tecido pancreático;

  • Fibrose cística – espessamento das secreções que obstrui ductos;

  • Neoplasias pancreáticas – que dificultam a liberação de enzimas.


Doenças gastrointestinais

Doenças inflamatórias intestinais ou de absorção reduzem a eficiência do intestino:

  • Doença celíaca: reação autoimune ao glúten que lesa vilosidades intestinais;

  • Doença de Crohn: inflamações crônicas que afetam diversas regiões do tubo digestivo, especialmente o jejuno e o íleo, prejudicando absorção de gorduras.


Infecções intestinais e supercrescimento bacteriano

  • Giardíase: protozoário que danifica a mucosa intestinal;

  • Supercrescimento bacteriano: alteração da microbiota intestinal, comum após cirurgias ou distúrbios de motilidade, que interfere na digestão.


Medicamentos e cirurgias

  • Orlistat: fármaco antiobesidade que bloqueia a lipase pancreática;

  • Cirurgias bariátricas (ex.: bypass gástrico): reduzem a absorção de nutrientes e podem desencadear esteatorreia.


Condições raras

Embora incomuns, algumas doenças também podem levar ao quadro:

  • Doença de Whipple: infecção bacteriana crônica multissistêmica;

  • Amiloidose: depósito de proteínas anormais que comprometem a função intestinal;

  • Deficiências enzimáticas congênitas ou intolerâncias alimentares específicas.


Diagnóstico e opções de tratamento

O diagnóstico precoce é essencial para evitar complicações nutricionais. Ele envolve exame clínico, histórico detalhado e testes laboratoriais.

Como confirmar o diagnóstico

  • Exame de fezes: identifica e quantifica a gordura eliminada;

  • Teste da D-xilose: avalia absorção intestinal de carboidratos;

  • Endoscopia com biópsia: útil para investigar doença celíaca ou Crohn;

  • Exames de imagem (TC, RM, radiografias contrastadas): investigam alterações anatômicas ou tumores;

  • Testes de função hepática: detectam colestase ou disfunções hepáticas.

Exame Interpretação
Quantificação da elastase fecal Elastase fecal 100 – 200 mcg/g de fezes → insuficiência pancreática leve Elastase fecal < 100 mcg/g de fezes → insuficiência pancreática grave
Detecção de gordura nas fezes Excreção fecal de gordura > 7 g/diaEsteatorreia
Teste da secretina Pâncreas exócrino normal → bicarbonato ≥ 80 – 90 mEq/L Insuficiência exócrina leve → ≥ 75% do valor normal Insuficiência exócrina moderada → 30 – 75% do valor normal Insuficiência exócrina grave → ≤ 30% do valor normal
Teste da colecistocinina Tripsina < 50 mcg/kg/hora → sugere insuficiência pancreática exócrina
Teste da bentiromida Excreção PABA e metabólitos ≥ 70% → Normal Excreção PABA e metabólitos ≤ 50% → Diminuída (observada na insuficiência pancreática exócrina)
Dosagem do tripsinogênio sérico Níveis séricos < 20 ng/mL sugerem o diagnóstico de insuficiência pancreática exócrina
Teste Respiratório com triglicerídeos marcados com ¹⁴C ¹⁴CO₂/¹²CO₂ reduzida
Teste da D-xilose Excreção D-xilose < 6,0 ± 1,5 g ou concentração sérica < 20 mg/dL → má absorção por problemas na mucosa intestinal Valores normais → observados na má absorção por problemas não digestivos (ex.: pancreatite crônica)

Tratamento da esteatorreia

A terapêutica deve ser direcionada à causa de base, com foco na redução dos sintomas e na prevenção de deficiências nutricionais.

Estratégias terapêuticas

  • Enzimas pancreáticas: indicadas em casos de insuficiência pancreática;

  • Ácido ursodesoxicólico: melhora fluxo biliar em doenças hepáticas;

  • Antibióticos: usados no supercrescimento bacteriano e giardíase;

  • Anti-inflamatórios: para doença de Crohn e outras condições inflamatórias.

Suplementação

Reposição de vitaminas A, D, E e K é essencial quando há deficiência comprovada.

Orientação alimentar

  • Dieta com baixo teor de gorduras saturadas, mas preservando gorduras saudáveis (ômega-3);

  • Evitar alimentos desencadeadores (glúten, lactose, conforme diagnóstico);

  • Preferência por refeições leves e de fácil digestão.

Cirurgia

Indicada em situações graves, como obstrução das vias biliares ou tumores que dificultam a digestão.

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