O exame físico do pescoço é um recurso clínico fundamental, pois possibilita a avaliação de estruturas como linfonodos, glândula tireoide, traqueia e grandes vasos cervicais. Através de métodos como inspeção, palpação e, em situações específicas, ausculta, é possível identificar sinais de processos inflamatórios, doenças autoimunes, neoplasias e alterações vasculares. A execução minuciosa desse exame fornece subsídios valiosos para o diagnóstico diferencial e para a definição da conduta terapêutica, sendo de interesse tanto para médicos generalistas quanto para especialistas.
O Exame Físico do Pescoço
O exame físico cervical permite investigar alterações anatômicas e funcionais envolvendo linfonodos, tireoide, traqueia e vasos de grande calibre. A análise sistemática dessa região pode indicar doenças locais ou sistêmicas e orientar investigações complementares. As técnicas de inspeção e palpação são as mais empregadas, permitindo observar simetria, volumes anormais, mobilidade e características dos linfonodos.
Regiões do Pescoço
A divisão anatômica do pescoço facilita a abordagem clínica, sendo delimitada principalmente pelo músculo esternocleidomastóideo. Destacam-se:
-
Trígono anterior: delimitado pela mandíbula, esternocleidomastóideo e linha média cervical. Contém a glândula tireoide, cartilagem tireoide, traqueia e principais vasos cervicais (carótidas e jugulares internas).
-
Trígono posterior: limitado pelo esternocleidomastóideo, trapézio e clavícula. Abriga cadeias linfáticas importantes e é explorado na avaliação de massas e linfonodomegalias.
-
Estruturas da linha média: incluem o osso hioide, cartilagem tireoide (pomo de Adão), cartilagem cricóide e anéis traqueais. A tireoide envolve parcialmente a traqueia e o esôfago nessa região.
-
Rede linfática: composta por cadeias submandibulares, submentonianas, cervicais superficiais, cervicais profundas, supraclaviculares e tonsilares, cruciais na detecção de inflamações ou neoplasias.
Ordem do Exame Físico
O exame do pescoço deve ser conduzido de forma organizada, geralmente seguindo a sequência:
-
Inspeção: observação da simetria, contornos, massas, retrações e abaulamentos.
-
Palpação dos linfonodos: avalia tamanho, consistência, mobilidade e sensibilidade.
-
Palpação da tireoide: feita durante a deglutição, para verificar irregularidades ou nódulos.
-
Palpação da traqueia: identifica desvios em relação à linha média.
-
Ausculta: indicada em suspeitas de hipertireoidismo ou alterações vasculares cervicais.
Inspeção
A inspeção deve ser realizada com o paciente sentado, pescoço levemente estendido e iluminação adequada. Avalia-se:
-
Simetria: diferenças podem indicar aumento de lobo tireoidiano, linfonodomegalias ou deformidades ósseas/musculares.
-
Volume e contorno: presença de abaulamentos ou retrações (bócio, tumores, linfonodomegalias).
-
Pele: cicatrizes, fístulas, edema, eritema ou sinais inflamatórios.
-
Massas visíveis: sua movimentação durante a deglutição auxilia na diferenciação de origem tireoidiana ou traqueal.
-
Pulsação dos vasos cervicais: avaliação da veia jugular externa e de possíveis alterações hemodinâmicas.
-
Mobilidade e postura: restrições de movimento ou posturas compensatórias podem sugerir dor ou alterações estruturais.
Palpação das Estruturas Linfáticas
Técnica
-
Realizada com polpas dos dedos indicador e médio, em movimentos circulares suaves.
-
Paciente deve manter o pescoço levemente fletido e relaxado.
-
Pode-se comparar simultaneamente os dois lados, exceto no linfonodo submentoniano (avaliado isoladamente).
Aspectos avaliados
-
Tamanho: descrito em milímetros ou centímetros.
-
Consistência: fibroelástica (normal); endurecida (malignidade); amolecida (infecção).
-
Mobilidade: móveis (benignos); fixos (neoplasias).
-
Sensibilidade: dolorosos (infecções); indolores endurecidos (suspeita neoplásica).
-
Delimitação: isolados ou coalescentes.
Interpretação
-
Linfonodos pequenos, móveis e indolores → geralmente fisiológicos.
-
Linfonodos endurecidos, fixos e indolores → suspeita de neoplasia.
-
Linfonodos dolorosos e amolecidos → sugerem infecção aguda.
-
Linfonodos supraclaviculares aumentados, principalmente à esquerda → sinal de Virchow, relacionado a metástases abdominais/torácicas.
Palpação da Traqueia
Técnica
-
Paciente sentado, pescoço levemente estendido.
-
Examinador compara os espaços entre a traqueia e os esternocleidomastóideos bilateralmente.
Interpretação dos desvios
-
Centralizada: condição normal.
-
Desvio para o lado oposto: pneumotórax, massas mediastinais.
-
Desvio para o mesmo lado: atelectasia ou fibrose pulmonar.
-
Empurrada por massas cervicais: como tumores ou linfonodos aumentados.
Ausculta
Indicações
-
Tireoide: investigação de sopro em casos de suspeita de hipertireoidismo (ex.: doença de Graves).
-
Carótidas: detecção de sopros em pacientes com risco cardiovascular, sugerindo estenoses ou aterosclerose.
Técnica
-
Paciente sentado, cabeça levemente inclinada.
-
Utiliza-se o diafragma do estetoscópio sobre a tireoide (lóbulos e istmo).
-
Nas carótidas, o estetoscópio deve ser aplicado suavemente em diferentes pontos do trajeto, pedindo ao paciente que suspenda a respiração para minimizar ruídos.
Achados
-
Sopro tireoidiano: fluxo sanguíneo aumentado pela glândula, comum em hipertireoidismo.
-
Sopro carotídeo: fluxo turbulento, indicativo de estenose ou obstrução, exigindo investigação com exames complementares como Doppler.
Referências Bibliográficas
-
BATES, Lynn S. Bickley; SZILAGYI, Peter G. Propedêutica médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
-
PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.