Hoje vamos aprofundar nossos conhecimentos sobre as glândulas adrenais, órgãos pequenos, porém extremamente importantes, localizados acima dos rins. Este resumo foi preparado para facilitar a compreensão desse tema complexo e contribuir para uma prática clínica mais segura e embasada.
Anatomia das Adrenais
As glândulas adrenais, também chamadas de suprarrenais, são órgãos endócrinos vitais para o funcionamento do organismo. Localizam-se no espaço retroperitoneal, imediatamente acima dos rins.
Elas apresentam coloração amarelo-dourada, medem aproximadamente 5 cm de comprimento, 2–3 cm de largura e pesam em torno de 4 g cada. Sua importância se deve à produção de hormônios que regulam metabolismo, resposta ao estresse e equilíbrio hídrico e eletrolítico.
Estrutura e desenvolvimento
As adrenais são divididas em córtex e medula, cada um com origem embrionária distinta.
Córtex adrenal
O córtex se forma a partir do mesoderma, especificamente do epitélio celômico, por volta da 6ª semana de gestação. É subdividido em três zonas:
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Zona glomerulosa: produz mineralocorticoides, como a aldosterona, regulando o balanço de sódio e potássio e mantendo a pressão arterial.
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Zona fasciculada: responsável pelos glicocorticoides, principalmente cortisol, com funções essenciais no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, além de efeitos anti-inflamatórios.
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Zona reticular: produz androgênios, como a deidroepiandrosterona (DHEA), com menor impacto que os hormônios sexuais gonadais.
Medula adrenal
Originada da crista neural, a medula é considerada um gânglio simpático modificado. Produz catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), fundamentais na resposta de “luta ou fuga”, aumentando frequência cardíaca, pressão arterial e glicemia em situações de emergência.
Localização e relações anatômicas
As glândulas adrenais estão situadas sobre os rins, envoltas por uma cápsula adiposa e pela fáscia de Gerota, e apresentam relações anatômicas importantes:
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Face anterior: contato com a face visceral do fígado e porção descendente do duodeno (direita), e parede posterior do estômago (esquerda), separadas pela bolsa omental.
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Face posterior: relacionada ao diafragma.
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Face inferior: sobre o polo superior do rim.
Vascularização
As adrenais possuem irrigação extensa, garantida por três artérias principais:
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Artéria suprarrenal superior – originada de pequenos ramos da artéria frênica inferior.
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Artéria suprarrenal média – proveniente da aorta.
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Artéria suprarrenal inferior – proveniente da artéria renal.
A drenagem venosa é simples:
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Veia suprarrenal direita → veia cava inferior.
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Veia suprarrenal esquerda → veia renal esquerda.
Essa combinação de vascularização rica e drenagem eficiente protege as adrenais contra isquemias e infartos.
Medula da suprarrenal
A medula secreta catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) diretamente na corrente sanguínea. Aproximadamente 80% das células cromafins produzem adrenalina, e os 20% restantes produzem noradrenalina. A adrenalina circulante é totalmente medular; já a noradrenalina circulante provém em cerca de 70% das terminações simpáticas pós-ganglionares.
Síntese de adrenalina
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Tirosina é convertida em DOPA pela tirosina hidroxilase.
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DOPA → dopamina (enzima aromática descarboxilase).
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Dopamina é levada aos grânulos cromafins e convertida em noradrenalina pela dopamina β-hidroxilase.
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PNMT (feniletanolamina N-metiltransferase) metila a noradrenalina, formando adrenalina, armazenada em vesículas para liberação.
Regulação da secreção
A secreção é estimulada por sinais simpáticos em situações de estresse (ex.: exercício, hipoglicemia, hipovolemia), mediados por neurônios pré-ganglionares que liberam acetilcolina. A ACh ativa receptores nicotínicos nas células cromafins, estimulando a síntese de catecolaminas e promovendo exocitose.
Mecanismo de ação das catecolaminas
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Receptores α (α1, α2): a noradrenalina atua preferencialmente, promovendo vasoconstrição.
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Receptores β (β1, β2, β3): adrenalina é mais ativa, aumentando batimentos cardíacos, relaxando músculos lisos e estimulando glicogenólise.
Efeitos fisiológicos
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Aumento do fluxo sanguíneo para músculos e coração.
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Elevação da glicose e mobilização de ácidos graxos.
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Redução da atividade gastrointestinal e urinária, economizando energia.
Metabolismo
Catecolaminas são degradadas por MAO e COMT, formando produtos urinários como VMA e metanefrinas, úteis no diagnóstico de feocromocitoma.
Córtex da suprarrenal
Zona fasciculada
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Produz cortisol, regulando metabolismo, estresse e imunidade.
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Síntese a partir do colesterol, transportado por StAR para mitocôndrias → pregnenolona → cortisol.
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Circula ligado a CBG e albumina, e é inativado principalmente pelo fígado (11β-HSD2 → cortisona).
Ações fisiológicas:
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Aumenta glicemia e promove lipólise e catabolismo proteico.
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Potencializa catecolaminas, elevando pressão arterial.
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Reduz inflamação, influencia ossos, tecido conjuntivo, eixo reprodutivo e humor.
Regulação: eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), ritmo circadiano, feedback negativo do cortisol.
Zona reticular
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Produz androgênios adrenais (DHEA/DHEAS), iniciando na adrenarca (~8 anos).
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Pequena produção de androstenediona, precursor de testosterona e estrogênios.
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Contribuição feminina: ~50% dos androgênios circulantes; masculina: mínima.
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Níveis aumentam até a terceira década e declinam com a idade.
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Produção regulada principalmente por ACTH, mas fatores adicionais são estudados.
Zona glomerulosa
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Produz aldosterona, controlando sódio, potássio e pressão arterial.
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Enzima-chave: CYP11B2.
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Regulada por renina-angiotensina, níveis de potássio e ANP.
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Circula ligada a proteínas com baixa afinidade, meia-vida ~20 minutos.
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Age sobre receptores de mineralocorticoides (MR) nos rins.
Principais doenças das adrenais
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Doença de Addison: destruição do córtex (autoimune), fadiga, perda de peso, hipotensão, hiperpigmentação.
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Síndrome de Cushing: excesso de cortisol, obesidade central, hipertensão, face arredondada.
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Hiperaldosteronismo primário (Síndrome de Conn): excesso de aldosterona, hipertensão, hipocalemia.
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Feocromocitoma: tumor medular, secreção excessiva de catecolaminas.
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Hiperplasia adrenal congênita (HAC): deficiência enzimática (21-hidroxilase), virilização, puberdade precoce, desequilíbrios eletrolíticos.
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Insuficiência adrenal secundária: baixa produção de ACTH, fadiga, perda de apetite.
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Síndrome adrenogenital: excesso de androgênios, virilização em mulheres, puberdade precoce em homens.
De olho na prova!
Não subestime a importância deste tema: ele aparece com frequência em provas de residência, concursos públicos e avaliações da graduação. Confira um exemplo prático:
Teste de Progresso ABEM – 2024
Um menino de 12 anos está sendo investigado devido à hipertensão arterial detectada nos últimos três meses. Desde o diagnóstico, ele apresentou episódios de cefaleia, palpitações, tontura e dor abdominal. A mãe relata ainda uma perda de 3 kg nesse período.
No dia do atendimento, durante um jogo de futebol na escola, a criança sofreu uma perda súbita de consciência, o que motivou a procura imediata por atendimento médico.
Exame físico:
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Estado geral: letárgico
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Frequência cardíaca (FC): 124 bpm
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Frequência respiratória (FR): 20 irpm
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Pressão arterial (PA): 195 x 125 mmHg
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Pulmões: estertores crepitantes em bases
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Abdome: hepatomegalia – fígado palpável 4 cm abaixo do rebordo costal direito
Pergunta: Qual é o diagnóstico mais provável?
A) Hipertireoidismo
B) Síndrome de Cushing
C) Coarctação da aorta
D) Feocromocitoma
Comentário:
A resposta correta é a alternativa D – Feocromocitoma, devido ao quadro de hipertensão arterial grave, crises paroxísticas com cefaleia, palpitações, sudorese e sinais clínicos de liberação excessiva de catecolaminas.
Referências
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WASCHKE, J. et al. Sobotta Anatomia Clínica, 1ª ed., Elsevier, 2019.
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GUYTON, A.C. & Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica, 13ª ed., Elsevier, 2017.
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KOEPPEN, B.M. & STANTON, B.A. Berne & Levy: Fisiologia, 6ª ed., Elsevier, 2009.