Exame Físico Abdominal: Etapas, Técnicas e Achados Clínicos

O exame físico abdominal é um procedimento clínico fundamental para a avaliação das estruturas e funções dos órgãos localizados na cavidade abdominal. Ele permite identificar alterações anatômicas, funcionais e sinais de doenças por meio de técnicas simples, mas eficazes. Quando realizado de forma sistemática — seguindo as etapas de inspeção, ausculta, percussão e palpação — fornece informações valiosas para a formulação de hipóteses diagnósticas e a indicação de exames complementares.


O Exame Físico Abdominal

Realizado de maneira organizada, esse exame possibilita a observação de sinais visíveis, a análise de sons intestinais e vasculares, a detecção de líquidos, massas ou gases, e a identificação de áreas dolorosas ou sensíveis. A sequência correta — inspeção, ausculta, percussão e palpação — evita interferências nos achados e aumenta a precisão da avaliação.


Regiões do Abdômen

Para facilitar a localização de alterações, o abdômen é dividido em nove regiões, determinadas pela interseção de duas linhas horizontais e duas verticais:

  1. Hipocôndrio Direito (HCD)

    • Estruturas: lobo direito do fígado, vesícula biliar, rim direito, parte do intestino delgado.

    • Patologias comuns: colecistite, hepatomegalia, abscessos hepáticos.

  2. Epigástrio

    • Estruturas: lobo esquerdo do fígado, estômago, duodeno, pâncreas, aorta abdominal.

    • Patologias comuns: gastrite, úlcera péptica, pancreatite.

  3. Hipocôndrio Esquerdo

    • Estruturas: baço, parte do estômago, rim esquerdo, cauda do pâncreas.

    • Patologias comuns: esplenomegalia, ruptura esplênica, doenças renais.

  4. Flanco Direito

    • Estruturas: cólon ascendente, parte do rim direito.

    • Patologias comuns: pielonefrite, abscessos perinefréticos, colite.

  5. Mesogástrio (Região Umbilical)

    • Estruturas: intestino delgado, parte do cólon transverso, aorta.

    • Patologias comuns: apendicite inicial, hérnia umbilical, obstrução intestinal.

  6. Flanco Esquerdo

    • Estruturas: cólon descendente, parte do rim esquerdo.

    • Patologias comuns: colite, diverticulite, doenças renais.

  7. Fossa Ilíaca Direita

    • Estruturas: ceco, apêndice, ovário e tuba uterina direita.

    • Patologias comuns: apendicite, doença inflamatória pélvica, cistos ovarianos.

  8. Hipogástrio

    • Estruturas: bexiga, útero (mulheres), parte do intestino delgado e reto.

    • Patologias comuns: cistite, gestação, diverticulite.

  9. Fossa Ilíaca Esquerda

    • Estruturas: cólon sigmoide, ovário e tuba uterina esquerda.

    • Patologias comuns: diverticulite, doença inflamatória pélvica, cistos ovarianos.


Ordem do Exame Físico Abdominal

  1. Inspeção – Avaliação visual de simetria, abaulamentos, retrações, cicatrizes, circulação colateral, movimentos peristálticos e lesões cutâneas.

  2. Ausculta – Realizada antes das demais manobras para não alterar os sons intestinais, permitindo ouvir ruídos hidroaéreos e sopros vasculares.

  3. Percussão – Delimita órgãos, avalia a presença de líquidos, gases e massas.

  4. Palpação – Superficial e profunda, identifica dor, massas, visceromegalias e sinais de irritação peritoneal.


Inspeção

  • Simetria: assimetrias podem indicar massas, hérnias ou aumento de órgãos.

  • Forma abdominal:

    • Plano — fisiológico.

    • Globoso — obesidade ou ascite.

    • Escavado — desnutrição ou doenças crônicas.

    • Pendular — obesidade acentuada ou pós-gestação.

  • Abaulamentos/retrações: hérnias, tumores ou retrações cicatriciais.

  • Circulação colateral: pode indicar hipertensão portal.

  • Movimentos peristálticos visíveis: sugestivos de obstrução intestinal.

  • Lesões cutâneas: estrias, equimoses, cicatrizes.

  • Distensão abdominal: localização e grau ajudam na diferenciação diagnóstica.

  • Umbigo: protruso (hérnia umbilical) ou retraído (cicatrizes, fibrose).


Ausculta

Ruídos hidroaéreos: normais de 5 a 35/min; aumentados em hiperatividade intestinal; ausentes em íleo paralítico ou peritonite.

Sopros vasculares: pesquisados sobre a aorta abdominal, artérias renais, ilíacas e femorais, podendo indicar estenose ou aneurisma.


Percussão

 

  • Sons:

    • Timpanismo — presença de ar, predominante no abdômen normal.

    • Macicez — órgãos sólidos, líquidos ou massas.

    • Submacicez — transição entre áreas de ar e estruturas sólidas.

  • Procedimentos específicos:

    • Hepatimetria — delimitação do fígado.

    • Espaço de Traube — avaliação do baço.

    • Pesquisa de ascite — sinal do piparote e macicez móvel.


Palpação

Superficial: avalia sensibilidade, tensão da parede abdominal e massas superficiais.
Profunda: investiga tamanho e consistência de órgãos, massas e sinais de irritação peritoneal.

  • Palpação hepática: borda normalmente macia e indolor; aumento sugere hepatomegalia.

  • Palpação esplênica: detecta esplenomegalias.

  • Massas abdominais: caracterização quanto a consistência, mobilidade e sensibilidade.

  • Sinais clínicos:

    • Blumberg — dor à descompressão brusca (peritonite/apendicite).

    • Murphy — dor e interrupção da inspiração à palpação do hipocôndrio direito (colecistite).

 

Referências

  • BATES, propedêutica médica / Lynn S. Bickley; Peter G. Szilagyi; tradução Maria de Fátima Azevedo. – 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
  • BARÉ, Gerardo M.; CALIFANO, Jorge E. Semiotecnia: maniobras de exploración. 4. ed. México: McGraw-Hill Interamericana.
  • ARGENTE, Horacio A.; ÁLVAREZ, Marcelo. Semiología médica: fisiopatología, semiotecnia y propedéutica. 3. ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Médica Panamericana, 2021.
  • PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.

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