O exame físico abdominal é um procedimento clínico fundamental para a avaliação das estruturas e funções dos órgãos localizados na cavidade abdominal. Ele permite identificar alterações anatômicas, funcionais e sinais de doenças por meio de técnicas simples, mas eficazes. Quando realizado de forma sistemática — seguindo as etapas de inspeção, ausculta, percussão e palpação — fornece informações valiosas para a formulação de hipóteses diagnósticas e a indicação de exames complementares.
O Exame Físico Abdominal
Realizado de maneira organizada, esse exame possibilita a observação de sinais visíveis, a análise de sons intestinais e vasculares, a detecção de líquidos, massas ou gases, e a identificação de áreas dolorosas ou sensíveis. A sequência correta — inspeção, ausculta, percussão e palpação — evita interferências nos achados e aumenta a precisão da avaliação.
Regiões do Abdômen
Para facilitar a localização de alterações, o abdômen é dividido em nove regiões, determinadas pela interseção de duas linhas horizontais e duas verticais:
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Hipocôndrio Direito (HCD)
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Estruturas: lobo direito do fígado, vesícula biliar, rim direito, parte do intestino delgado.
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Patologias comuns: colecistite, hepatomegalia, abscessos hepáticos.
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Epigástrio
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Estruturas: lobo esquerdo do fígado, estômago, duodeno, pâncreas, aorta abdominal.
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Patologias comuns: gastrite, úlcera péptica, pancreatite.
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Hipocôndrio Esquerdo
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Estruturas: baço, parte do estômago, rim esquerdo, cauda do pâncreas.
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Patologias comuns: esplenomegalia, ruptura esplênica, doenças renais.
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Flanco Direito
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Estruturas: cólon ascendente, parte do rim direito.
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Patologias comuns: pielonefrite, abscessos perinefréticos, colite.
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Mesogástrio (Região Umbilical)
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Estruturas: intestino delgado, parte do cólon transverso, aorta.
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Patologias comuns: apendicite inicial, hérnia umbilical, obstrução intestinal.
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Flanco Esquerdo
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Estruturas: cólon descendente, parte do rim esquerdo.
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Patologias comuns: colite, diverticulite, doenças renais.
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Fossa Ilíaca Direita
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Estruturas: ceco, apêndice, ovário e tuba uterina direita.
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Patologias comuns: apendicite, doença inflamatória pélvica, cistos ovarianos.
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Hipogástrio
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Estruturas: bexiga, útero (mulheres), parte do intestino delgado e reto.
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Patologias comuns: cistite, gestação, diverticulite.
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Fossa Ilíaca Esquerda
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Estruturas: cólon sigmoide, ovário e tuba uterina esquerda.
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Patologias comuns: diverticulite, doença inflamatória pélvica, cistos ovarianos.
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Ordem do Exame Físico Abdominal
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Inspeção – Avaliação visual de simetria, abaulamentos, retrações, cicatrizes, circulação colateral, movimentos peristálticos e lesões cutâneas.
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Ausculta – Realizada antes das demais manobras para não alterar os sons intestinais, permitindo ouvir ruídos hidroaéreos e sopros vasculares.
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Percussão – Delimita órgãos, avalia a presença de líquidos, gases e massas.
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Palpação – Superficial e profunda, identifica dor, massas, visceromegalias e sinais de irritação peritoneal.
Inspeção
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Simetria: assimetrias podem indicar massas, hérnias ou aumento de órgãos.
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Forma abdominal:
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Plano — fisiológico.
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Globoso — obesidade ou ascite.
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Escavado — desnutrição ou doenças crônicas.
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Pendular — obesidade acentuada ou pós-gestação.
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Abaulamentos/retrações: hérnias, tumores ou retrações cicatriciais.
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Circulação colateral: pode indicar hipertensão portal.
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Movimentos peristálticos visíveis: sugestivos de obstrução intestinal.
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Lesões cutâneas: estrias, equimoses, cicatrizes.
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Distensão abdominal: localização e grau ajudam na diferenciação diagnóstica.
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Umbigo: protruso (hérnia umbilical) ou retraído (cicatrizes, fibrose).
Ausculta
Ruídos hidroaéreos: normais de 5 a 35/min; aumentados em hiperatividade intestinal; ausentes em íleo paralítico ou peritonite.
Sopros vasculares: pesquisados sobre a aorta abdominal, artérias renais, ilíacas e femorais, podendo indicar estenose ou aneurisma.
Percussão
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Sons:
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Timpanismo — presença de ar, predominante no abdômen normal.
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Macicez — órgãos sólidos, líquidos ou massas.
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Submacicez — transição entre áreas de ar e estruturas sólidas.
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Procedimentos específicos:
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Hepatimetria — delimitação do fígado.
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Espaço de Traube — avaliação do baço.
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Pesquisa de ascite — sinal do piparote e macicez móvel.
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Palpação
Superficial: avalia sensibilidade, tensão da parede abdominal e massas superficiais.
Profunda: investiga tamanho e consistência de órgãos, massas e sinais de irritação peritoneal.
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Palpação hepática: borda normalmente macia e indolor; aumento sugere hepatomegalia.
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Palpação esplênica: detecta esplenomegalias.
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Massas abdominais: caracterização quanto a consistência, mobilidade e sensibilidade.
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Sinais clínicos:
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Blumberg — dor à descompressão brusca (peritonite/apendicite).
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Murphy — dor e interrupção da inspiração à palpação do hipocôndrio direito (colecistite).
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Referências
- BATES, propedêutica médica / Lynn S. Bickley; Peter G. Szilagyi; tradução Maria de Fátima Azevedo. – 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
- BARÉ, Gerardo M.; CALIFANO, Jorge E. Semiotecnia: maniobras de exploración. 4. ed. México: McGraw-Hill Interamericana.
- ARGENTE, Horacio A.; ÁLVAREZ, Marcelo. Semiología médica: fisiopatología, semiotecnia y propedéutica. 3. ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Médica Panamericana, 2021.
- PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.