Ausculta Cardíaca: Guia Completo de Sons, Sopros e Focos

A ausculta cardíaca é um dos pilares da semiologia médica e representa uma ferramenta fundamental na avaliação clínica da função cardíaca. A interpretação dos sons obtidos com o estetoscópio permite reconhecer alterações estruturais e hemodinâmicas, auxiliando no diagnóstico de diversas doenças cardiovasculares.

Esses sons decorrem principalmente do fechamento das valvas cardíacas, do movimento do sangue dentro das câmaras e, em determinadas condições, do atrito anormal entre estruturas.


A Ausculta Cardíaca

Trata-se de um método amplamente utilizado no exame físico, essencial para a investigação de alterações cardíacas. Por meio do estetoscópio, é possível diferenciar sons fisiológicos daqueles sugestivos de disfunção, como em casos de valvopatias, insuficiência cardíaca ou doenças pericárdicas.


Ambiente e Posição do Paciente

O exame deve ser realizado em ambiente silencioso, pois os sons cardíacos apresentam baixa intensidade e podem ser mascarados por ruídos externos ou pela respiração do paciente. Garantir privacidade é igualmente importante para o conforto durante o procedimento.

A posição influencia diretamente a qualidade da ausculta:

  • Decúbito dorsal: posição mais utilizada, adequada para a maioria dos sons;

  • Decúbito lateral esquerdo: facilita a identificação de sons da válvula mitral, como no ruflar da estenose mitral;

  • Sentado e inclinado para frente: favorece a detecção de sopros da válvula aórtica, como na insuficiência aórtica.

O examinador costuma posicionar-se à direita do paciente. Em determinados momentos, pode ser solicitado que o paciente prenda a respiração, de modo a ressaltar sons específicos.


Uso Correto do Estetoscópio

O estetoscópio deve possuir diafragma e campânula, cada um indicado para diferentes frequências sonoras:

  • Diafragma: capta sons agudos, como as bulhas B1 e B2, além dos sopros de insuficiência aórtica e mitral. Deve ser aplicado com firmeza contra a pele.

  • Campânula: adequada para sons graves e de baixa frequência, como as bulhas B3 e B4 e o ruflar da estenose mitral. Deve ser posicionada suavemente sobre o tórax.

Técnica: o aparelho deve sempre ser colocado em contato direto com a pele, evitando interferência de roupas.
Respiração: sopros do coração direito tendem a intensificar-se na inspiração, enquanto os do coração esquerdo tornam-se mais audíveis na expiração.


Focos de Ausculta

Os sons cardíacos podem ser ouvidos em todo o precórdio, mas alguns pontos favorecem a avaliação de cada valva:

  • Foco aórtico: 2º espaço intercostal direito, junto ao esterno. Melhor área para sopros de estenose aórtica.

  • Foco pulmonar: 2º espaço intercostal esquerdo, próximo ao esterno. Útil na avaliação do fechamento da válvula pulmonar e no desdobramento de B2.

  • Foco aórtico acessório (Erb): 3º espaço intercostal esquerdo, próximo ao esterno. Auxilia na detecção de sopros aórticos e pulmonares.

  • Foco tricúspide: região paraesternal inferior esquerda, próximo ao apêndice xifoide. Indicado para avaliação da válvula tricúspide.

  • Foco mitral: 5º espaço intercostal esquerdo, na linha hemiclavicular. Principal local de ausculta da válvula mitral.


Bulhas Cardíacas

São sons produzidos pelo fechamento das valvas. Dividem-se em bulhas normais (B1 e B2) e bulhas adicionais (B3 e B4).

  • Primeira bulha (B1): fechamento das valvas mitral e tricúspide, marcando o início da sístole. Mais audível nos focos mitral e tricúspide.

  • Segunda bulha (B2): fechamento das valvas aórtica e pulmonar, sinalizando o início da diástole. Melhor identificada nos focos aórtico e pulmonar. Pode apresentar desdobramento fisiológico na inspiração.

  • Terceira bulha (B3): ocorre no enchimento rápido ventricular. Baixa frequência, captada na área mitral, em decúbito lateral esquerdo. Normal em jovens, mas patológica em adultos (ex.: insuficiência cardíaca).

  • Quarta bulha (B4): aparece no fim da diástole, associada à contração atrial contra ventrículo pouco complacente. Relacionada à hipertrofia ventricular, hipertensão e isquemia.


Sopros Cardíacos

São sons originados pelo fluxo turbulento do sangue. Classificam-se em:

  • Sistólicos: entre B1 e B2.

    • Ejetivos: padrão crescente-decrescente (ex.: estenose aórtica).

    • Holossistólicos: intensidade uniforme (ex.: insuficiência mitral).

    • Telessistólicos: surgem no final da sístole (ex.: prolapso da mitral).

  • Diastólicos: entre B2 e B1 do próximo ciclo. Geralmente patológicos.

    • Regurgitação diastólica: decrescentes (ex.: insuficiência aórtica).

    • Enchimento diastólico: graves, de baixa frequência (ex.: estenose mitral).

  • Contínuos: persistem durante todo o ciclo. Associados a comunicações anômalas, como persistência do canal arterial.


Elementos Importantes na Avaliação dos Sopros

  • Intensidade: graduada de I a VI;

  • Timbre: pode ser agudo, grave ou áspero;

  • Irradiação: ex.: sopro de estenose aórtica irradiando para carótidas;

  • Manobras: mudanças posturais ou de esforço podem modificar a intensidade, auxiliando na diferenciação diagnóstica.


Como Descrever uma Ausculta Cardíaca

A descrição deve ser organizada e objetiva, incluindo ritmo, bulhas, sopros e achados adicionais.

Exemplo normal:
Ritmo regular em 2 tempos (2T), bulhas normofonéticas (BNF), sem sopros ou sons acessórios.

Estrutura sugerida:

  • Ritmo cardíaco: regular ou irregular;

  • Frequência: normal (60–100 bpm), taquicardia (>100 bpm) ou bradicardia (<60 bpm);

  • Bulhas: normofonéticas, hiperfonéticas, hipofonéticas, com ou sem desdobramento;

  • Bulhas acessórias: presença de B3 ou B4;

  • Sopros: descrever localização, fase, intensidade, irradiação e variação com manobras.


Referências

  • BICKLEY, L. S. Propedêutica Médica de Bates: Guia para o Exame Físico e Anamnese. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

  • DALTO, P. C. Semiologia Cardiovascular. Estratégia MED, 2025.

  • MEDTV, Dr. Julio Massao. Ausculta cardíaca anormal. YouTube, 2021.

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